domingo, 19 de agosto de 2012

Os vigaristas


                                   

Já dizia o poeta: O tempo não pára! É ele, o tempo, quem acaba levando as sociedades a uma espécie de esquecimento cotidiano de determinadas expressões, fatos ou pequenos acontecimentos. Poderíamos falar de um sem fim de coisas como, as notícias que recebemos, palavras que usamos diariamente de forma automática, e de como não nos damos conta de suas modificações e implicações.

Outro dia me veio a cabeça, não sei nem por que, o termo "Conto do Vigário" e por extensão a palavra “Vigarista”. Enquanto me dirigia ao trabalho conjeturava sobre se as pessoas ao chamarem ou classificarem outras de vigaristas saberiam as raízes etimológicas desta palavra. Na verdade o termo tem mais de uma origem, mas segundo alguns historiadores ou pesquisadores a mais crível é a história de dois padres da cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, séc. XVIII, que em uma disputa pela imagem de Nossa Senhora resolveram com a proposta de um deles amarrar a imagem da santa a um burrico, soltá-lo entre as duas igrejas, Pilar e da Conceição, e observar o rumo que o bicho iria tomar. A igreja para onde o animal seguisse direção ficaria com a imagem. O jumento seguiu para a paróquia de Pilar e com o passar do tempo descobriu-se que o burro pertencia ao vigário daquela igreja. Daí o termo Conto do Vigário que a princípio poderia remeter a alguém que se fez passar por um, ou como tal se travestiu, para aplicar o golpe, mas em suas origens podemos constatar que quem aplicava o golpe era quem pregava caminhos mais retos.

 Hoje os vigaristas travestem-se nos mais diversos personagens que podem ser até mesmo: de Vigário. Todos normalmente com inteligência aguçada e lábia afiada. Encontramos homens bem ou mal vestidos, fantasiados de policiais, (nem sempre a farda é fantasia), de entregador, de lixeiro, vendedor, de conserta tudo e de político que neste caso pululam e não se dizem outro, apresentam-se como membro de algum dos poderes mesmo.

 A “profissão” também tem sua obliquidade e nem sempre se pode dizer que o conto é “do Vigário”. Temos inúmeros relatos de contos “no Vigário”. (Afinal nem sempre o jumento pertence ao padre). O vigarista sofre mutações de acordo com sua inserção nas camadas sociais. Os danos da mesma forma têm diferentes dimensões, podem ir de um ovo a um “fabergé”, mas a prática é sempre a mesma: a contravenção.

 A palavra vigarista abriga estelionatários, falsários, peculatários e uma quantidade imensurável de outros mentirosos bem apessoados, ou não, que estão sempre prontos a dar o golpe fazendo com que o burrinho corra para sua paróquia. O vigário perdeu o conto que hoje é de domínio público e poderia se chamar de “O conto de muitos”.


                                                                           Joinville 19 de agosto de 2012.
                                               

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Carta ao amor perdido.

Ando por lugares e ninguém me vê.
Diante de muitos olhos, invisível sou.
Vista a indiferença, nem referência tenho.
E se não sou de corpo, um corpo por assim dizer
Sou a dor que carrego nos caminhos aonde passo

Se há marcas nos meus passos?
Vestígios, nem mesmo rastro.

Nas roupas com que visto, nem cores precisaria
Lembranças nem mesmo tenho dos tempos em que me via
É certo que, um dia, registros de mim terão.
E dirão: Quem será este? De onde terá vindo?

Reservo pra ti minhas lágrimas mais tristes
para o dia em que te encontre,
O pranto mais indigno de um amor perverso
O choro mais convulsivo,

Mas como invisível sou, toda a dor eu posso ter,
Pois o medo que assusta, hoje já não dá pra ver
Assim não o verás tu, e nem a quem não existo
E por assim dizer, pra muitos talvez já parti.

                                                 Beto Plucênio


terça-feira, 6 de março de 2012

Aos ofendidos

              Espero que a vida não anestesie minh’alma antes do amanhecer e deixe sair o primeiro féretro carregando o corpo mutilado do assassino. Quero estar de pé sob o alpendre sombrio neste alvorecer tão triste.

A escuridão que insiste diante dos olhos não será eterna quanto denso véu que ao corpo assassino envolve. A luz que aos meus olhos se permite é escassa e ainda é cedo para sonhar com o sol.

            Aos que roubam a liberdade e encurtam seus passos ergo a taça com o escuro vinho e brindo suas mortes. Rogo que tropecem nas pedras do caminho e sintam a dor terrena. Há que se ver este dia para perceber seu peso. É preciso ver a vida e suas faces que teimam se esconder nas trincheiras a flor da terra.


                                                                                                          Beto Plucênio   

sábado, 14 de janeiro de 2012

A arte de ser feliz


Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência?  E que mão as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu que participava do auditório imaginava os assuntos e suas peripécias – e me sentia completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobra as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
                                                                                                            Cecília Meireles

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Provérbio Indígena

"Somente quando vir a última árvore derrubada
 O último animal extinto e o último rio poluído
 O homem verá que dinheiro não se come."

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Um Jardim habitado.

Conhecer alguém aqui e ali
Que pensa e sente como nós,
E que embora distante,
Está perto em espírito,
Eis o que faz da terra
Um jardim habitado.

        Johann Wolfgang von Goethe